A hanseníase, conhecida antigamente como Lepra, é uma doença crônica, transmissível, de notificação compulsória e investigação obrigatória em todo território nacional. Possui como agente etiológico o Mycobacterium leprae, bacilo que tem a capacidade de infectar grande número de indivíduos, e atinge principalmente a pele e os nervos periféricos com capacidade de ocasionar lesões neurais, conferindo à doença um alto poder incapacitante, principal responsável pelo estigma e discriminação às pessoas acometidas pela doença.
A infecção por hanseníase pode acometer pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade. Entretanto, é necessário um longo período de exposição à bactéria, sendo que apenas uma pequena parcela da população infectada realmente adoece.
A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade. As referências mais remotas datam de 600 a.C. e procedem da Ásia, que, juntamente com a África, são consideradas o berço da doença. Entretanto, a terminologia hanseníase é iniciativa brasileira para minimizar o preconceito secular atribuído à doença, adotada pelo Ministério da Saúde em 1976. Com isso, de acordo com a Lei nº 9.010, de 29 de março de 1995, o termo “Lepra” e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.
O Brasil ocupa a 2ª posição do mundo, entre os países que registram casos novos. Em razão da elevada carga, a doença permanece como um importante problema de saúde pública no País.
O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado por meio do exame geral e dermatoneurólogico para identificar lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.
Os casos com suspeita de comprometimento neural, sem lesão cutânea (suspeita de hanseníase neural pura), e aqueles que apresentam área com alteração sensitiva e/ou autonômica duvidosa e sem lesão cutânea evidente, deverão ser encaminhados para unidades de saúde de maior complexidade para confirmação diagnóstica. Recomenda-se que nessas unidades esses pacientes sejam submetidos novamente ao exame dermatoneurológico criterioso, à coleta de material para exames laboratoriais (baciloscopia ou histopatologia cutânea ou de nervo periférico sensitivo), a exames eletrofisiológicos e/ou outros mais complexos, para identificar comprometimento cutâneo ou neural discreto e para diagnóstico diferencial com outras neuropatias periféricas.
Em crianças, o diagnóstico da hanseníase exige avaliação ainda mais criteriosa, diante da dificuldade de aplicação e interpretação dos testes de sensibilidade. Casos em criança, podem sinalizar transmissão ativa da doença, especialmente entre os familiares, o que deve, portanto, intensificar a investigação dos contatos. Para diagnóstico desses casos, recomenda-se utilizar o “Protocolo Complementar de Investigação Diagnóstica de Casos de Hanseníase em Menores de 15 Anos” (Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública. 2016).
O diagnóstico de hanseníase deve ser recebido de modo semelhante ao de outras doenças curáveis. Entretanto, se vier a causar impacto psicológico, tanto a quem adoeceu quanto aos familiares ou pessoas de sua rede social, essa situação requererá uma abordagem apropriada pela equipe de saúde, que permita a aceitação do problema, superação das dificuldades e maior adesão ao tratamento. Essa atenção deve ser oferecida no momento do diagnóstico, bem como no decorrer do tratamento da doença e, se necessária, após a alta.
A transmissão ocorre quando uma pessoa com hanseníase, na forma infectante da doença, sem tratamento, elimina o bacilo para o meio exterior, infectando outras pessoas suscetíveis. A via de eliminação do bacilo pelo doente são as vias aéreas superiores (mucosa nasal e orofaringe), por meio de contato próximo e prolongado.
Os doentes com poucos bacilos – paucibacilares (PB) – não são considerados importantes como fonte de transmissão da doença devido à baixa carga bacilar. As pessoas com a forma multibacilar (MB) – muitos bacilos -,no entanto, constituem o grupo contagiante, mantendo-se como fonte de infecção enquanto o tratamento específico não for iniciado.
A hanseníase apresenta longo período de incubação, ou seja, tempo em que os sinais e sintomas se manifestam desde a infecção. Geralmente, dura em média de 2 a 7 anos, não obstante haja referências à períodos inferiores a 2 e superiores a 10 anos.
A informação sobre a manifestação clínica da hanseníase em cada pessoa, é fundamental para determinar a classificação operacional da doença como Paucibacilar (poucos bacilos) ou Multibacilar (muitos bacilos) e para selecionar o esquema de tratamento adequado para cada caso.
O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza o tratamento e acompanhamento da doença em unidades básicas de saúde e em referências. O tratamento da doença é realizado com a Poliquimioterapia (PQT), uma associação de antibimicrobianos, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa associação diminui a resistência medicamentosa do bacilo, que ocorre com frequência quando se utiliza apenas um medicamento, o que acaba impossibilitando a cura da doença.
Os medicamentos são seguros e eficazes. O paciente deve tomar a primeira dose mensal supervisionada pelo profissional de saúde. As demais são auto-administradas. Ainda no início do tratamento, a doença deixa de ser transmitida. Familiares, colegas de trabalho e amigos, além de apoiar o tratamento, também devem ser examinados.
Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema padrão é ajustada de acordo com a idade e o peso. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema padrão, são indicados esquemas substitutivos.
A alta por cura é dada após a administração do número de doses preconizadas pelo esquema terapêutico, dentro do prazo recomendado. O tratamento da hanseníase é ambulatorial, ou seja, não necessita de internação.
Para saber mais sobre o tratamento da doença e avaliação dos contatos, favor clicar:
As complicações da hanseníase, muitas vezes, se confundem com a evolução do próprio quadro clínico da doença. Muitas dependem da resposta imune dos indivíduos acometidos, outras estão relacionadas com a presença do M. leprae nos tecidos e, por fim, algumas das complicações decorrem das lesões neurais características da hanseníase.
Estas são aquelas decorrentes da presença do bacilo na pele e outros tecidos, principalmente em quantidades maciças, como é o caso dos pacientes multibacilares com alta carga bacilar.
Rinite hansênica decorre da massiva infiltração da mucosa do trato respiratório superior. A ulceração da mucosa septal leva a exposição da cartilagem septal com necrose e sua perfuração ou mesmo perda completa desse suporte da pirâmide nasal. Se houver comprometimento dos ossos próprios nasais, o colapso nasal é completo com o surgimento do característico nariz desabado ou “em sela”. Na arcada dental superior, a invasão óssea permite o afrouxamento dos incisivos superiores com sua perda. A destruição da espinha óssea nasal anterior elimina o ângulo obtuso naso-labial deixando-o em ângulo agudo, o que leva a um aspecto simiesco se já houver o colapso nasal antes referido.
A mucosa oral pode se tornar espessa e apresentar nódulos, particularmente na região do palato, permitindo, se houver evolução do processo infiltrativo, a perfuração do palato.
Na área ocular, a triquíase decorre de processo inflamatório do próprio bulbo piloso ou por atrofia dos tecidos que apoiam os folículos, com posicionamento anômalo do cílio podendo atingir córnea e conjuntiva. O comprometimento massivo dos bulbos, com perda tanto ciliares como supraciliares, podem levar à madarose ciliar e supraciliar. As alterações da íris podem ser descritas como atrofias irianas do estroma, do epitélio pigmentário ou totais, nódulos inespecíficos e nódulos específicos (pérolas irianas), irites agudas, irites crônicas, sinéquias anteriores e sinéquias posteriores. Esses comprometimentos oculares são importantes e necessita acompanhamento constante de atenção oftalmológica ou prevenção ocular. Por fim, os frequentes infiltrados inflamatórios de pálpebras e pele da região frontal permitem o surgimento de rugas precoce e pele redundante palpebral resultando em blefarocalase.
Podem ser divididas em primárias e secundárias, sendo as primeiras decorrentes do comprometimento sensitivo e motor e as demais, resultantes dessas.
Os troncos nervosos mais acometidos, no membro superior, são o nervo ulnar, nervo mediano e nervo radial. A lesão do nervo ulnar acarreta uma paralisia dos músculos interósseos e os lumbricais do quarto e quinto dedos da mão. Estabelece-se assim um desequilíbrio de forças no delicado aparelho flexo-extensor dos dedos. A falange proximal é hiper-extendida e os flexores profundos flexionam exageradamente as falanges distais – o resultado é a mão em garra. O nervo mediano, acometido na região do punho, leva à paralisia dos músculos tênares, com perda da oposição do polegar. A lesão do nervo radial, menos acometido entre eles, conduz à perda da extensão de dedos e punho, causando deformidade em “mão caída”.
No membro inferior, a lesão do tronco do tibial posterior leva a garra dos artelhos e importante perda de sensibilidade da região plantar com graves consequências secundárias (úlceras plantares). A lesão do nervo fibular comum pode provocar a paralisia da musculatura dorsiflexora e eversora do pé. O resultado disto é a impossibilidade de elevar o pé, com marcada alteração da dinâmica normal da marcha (pé caído).
Na face, a lesão do ramo zigomático do nervo facial causa paralisia da musculatura orbicular com consequente impossibilidade de oclusão das pálpebras, levando ao lagoftalmo.
As complicações secundárias são devidas, em geral, ao comprometimento neural, mas requerem um segundo componente causador. Este é o caso das úlceras plantares que, decorrentes basicamente da alteração de sensibilidade da região plantar, necessita de força de fricção e trauma continuado na região plantar para que a úlcera surja. Da mesma forma, a perda da sensibilidade autonômica, que inerva as glândulas sebáceas sudoríparas, deixam a pele seca e fragilizada, exposta ao trauma.
A hanseníase é doença de evolução crônica, mas seu curso pode ser interrompido de forma abrupta por sinais e sintomas agudos. Entre eles se salientam a febre alta, dor no trajeto dos nervos, o surgimento de lesões da pele (placas ou nódulos) e a piora do aspecto de lesões que já existiam previamente. Esses quadros se denominam reações hansênicas ou estados reacionais. Estas são alterações do sistema imunológico, que se expressam por meio de manifestações inflamatórias agudas e subagudas e ocorrem com maior frequência nos casos multibacilares, durante ou depois do tratamento com Poliquimioterapia (PQT).
Para informações sobre o tratamento de reações hansênicas, favor clicar:
Os esquemas terapêuticos para tratar a hanseníase deverão ser utilizados de acordo com a classificação operacional de cada pessoa.
Esquemas terapêuticos utilizados para Paucibacilar: 6 cartelas
Adulto | Rifampicina (RFM): dose mensal de 600mg (02 cápsulas de 300mg) com administração supervisionada. |
Dapsona (DDS): dose mensal de 100mg supervisionada e dose diária de 100mg autoadministrada. | |
Criança | Rifampicina (RFM): dose mensal de 450mg (01 cápsula de 150mg e 01 cápsula de 300mg) com administração supervisionada. |
Dapsona (DDS): dose mensal de 50mg supervisionada e dose diária de 50mg autoadministrada. | |
Duração: 06 doses. Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada. Critério de alta: o tratamento estará concluído com seis (06) doses supervisionadas em até 09 meses. Na 6ª dose, os pacientes deverão ser submetidos ao exame dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade física e receber alta por cura. |
Esquemas terapêuticos utilizados para Multibacilar: 12 cartelas
Adulto | Rifampicina (RFM): dose mensal de 600mg (02 cápsulas de 300mg) com administração supervisionada. |
Dapsona (DDS): dose mensal de 100mg supervisionada e uma dose diária de 100mg auto-administrada. | |
Clofazimina (CFZ): dose mensal de 300mg (03 cápsulas de 100mg) com administração supervisionada e uma dose diária de 50mg auto-administrada. | |
Criança | Rifampicina (RFM): dose mensal de 450mg (01 cápsula de 150mg e 01 cápsula de 300mg) com administração supervisionada. |
Dapsona (DDS): dose mensal de 50mg supervisionada e uma dose diária de 50mg auto-administrada. | |
Clofazimina (CFZ): dose mensal de 150mg (03 cápsulas de 50mg) com administração supervisionada e uma dose de 50mg auto-administrada em dias alternados. | |
Duração: 12 doses. Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada. Critério de alta: o tratamento estará concluído com doze (12) doses supervisionadas em até 18 meses. Na 12ª dose, os pacientes deverão ser submetidos ao exame dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade física e receber alta por cura. Os pacientes MB que excepcionalmente não apresentarem melhora clínica, com presença de lesões ativas da doença, no final do tratamento preconizado de 12 doses (cartelas) deverão ser encaminhados para avaliação em serviço de referência (municipal, regional, estadual ou nacional) para verificar a conduta mais adequada para o caso. |
O diagnóstico precoce, o tratamento oportuno e a investigação de contatos que convivem ou conviveram, residem ou residiram, de forma prolongada, com caso novo diagnosticado de hanseníase são as principais formas de prevenção.
A prevenção de deficiências e incapacidades não deve ser dissociada do tratamento PQT. As ações de prevenção de incapacidades físicas fazem parte da rotina dos serviços de saúde e recomendadas para todos os pacientes.
A avaliação neurológica deve ser realizada:
A Hanseníase está fortemente relacionada às condições econômicas, sociais e ambientais desfavoráveis. Com registro de casos novos em todas as unidades federadas, exibe distribuição heterogênea no país, com elevadas concentrações nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, importantes áreas de transmissão da doença.
Sua alta endemicidade compromete a interrupção da cadeia de transmissão. Além disso, soma-se a estes fatores a dificuldade de acesso à rede de serviços de saúde pelas populações mais vulneráveis, tornando-se imprescindível a incorporação de ações estratégicas que visam garantir o atendimento integral as pessoas acometidas pela doença.
A procura dos casos de hanseníase deve se dar na assistência prestada à população geral nas unidades de saúde dos municípios brasileiros, bem como pela investigação dos contatos domiciliares e sociais dos casos diagnosticados, conforme recomendações das diretrizes nacionais.
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Executiva da UNA-SUS e Secretaria de Vigilância à Saúde (SVS), oferece o curso online EAD – Hanseníase na Atenção Básica, desde 2014, com inscrições abertas periodicamente, disponível no link: www.unasus.gov.br/cursos/hanseniase.
O curso tem como objetivo capacitar os profissionais para atendimento as pessoas acometidas pela hanseníase, especialmente os que atuam na Atenção Básica. O público-alvo são os profissionais da saúde de todo país, contudo, o curso é livre para demais interessados.
A formação possui carga horária de 45 horas, certificação emitida pela Secretaria de Vigilância à Saúde e é dividida em três unidades: Vigilância, Diagnóstico e Acompanhamento da Hanseníase na Atenção Básica. Os casos clínicos são transversais, abrangendo e integrando os aspectos de controle da doença. Além dos casos clínicos, que simulam situações comuns no cotidiano das unidades de saúde, são oferecidas vídeo-aulas com explicações de especialistas e vídeos de apoio com dramatizações que tratam do tema. São também utilizados hipertextos, caixas de ajuda e glossário para que se possa aprofundar os conhecimentos de termos técnicos